SOPRO
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SOPRO
KAREN DE PICCIOTTO
SETEMBRO | 2024
O QUE SAIU NA MÍDIA
A mostra ‘Sopro’ é resultado da pesquisa da artista Karen de Picciotto.
Para interpretar seu trabalho, devemos levar em consideração principalmente o olhar que se quer ter sobre ele e compreender os 3 pilares nos quais ele se baseia: materialidade, processo e resultado.
Suas obras são resultado de uma série de experimentos materiais que surgem de sua relação com a tinta esmalte, uma tinta não convencional nas artes visuais, que por característica natural, tem seu processo de secagem de fora para dentro, criando uma espécie de película que gera “bolsas” ou “sacos” de tinta, permitindo que a tinta que não está em contato com o ar continue viva dentro da obra.
Essa noção de movimento e de existência própria, leva a artista, através da materialidade, a questionar o controle dos processos que ela possui. Esse questionamento, quase que de maneira involuntária, desperta a atenção para o segundo aspecto que destacamos sobre seu trabalho: o processo.
Através de uma percepção clara da necessidade de manter o material vivo, Karen explora a condução do processo: através de ventiladores que “sopram” as tintas, em cores vibrantes e soltas, escorridas em camadas extremamente finas de potes milimetricamente escolhidos e colocados que, ao atingirem a obra, intervém na tela/objeto dando um visual entre o excêntrico, belo e grotesco.
Estes objetos, normalmente pomposos e sinônimos das relações sociais, tornam-se frívolos perante suas funções, sendo ressignificados, transformando a opulência desnecessária, em arte, uma outra maneira de fruir o objeto.
Como último pilar e aspecto de extrema importância em seu trabalho, temos o resultado, que para muitos, é o elemento que pode ser interpretado como a verdadeira obra de arte. Com uma habilidade extremamente sútil, a artista propõe levantar a discussão sobre o que é o resultado do trabalho do artista.
Olhando diretamente para sua produção e para cada obra, ao intervir nos objetos, Karen transforma o resíduo dessa intervenção também em arte, pois, imagine que atrás dos objetos são colocados imensos painéis que absorvem todo o excedente da tinta que é disparada no objeto, criando a sensação de um grande negativo da feitura do processo.
A partir desse ponto, unindo esses 3 elementos, é possível trazer à tona o resultado conceitual de seu trabalho. Karen propõe através dessa problemática a discussão da existência do vazio no trabalho do artista. Esse vazio, nos leva a perguntar se a verdadeira obra está na tela pintada ou no objeto.
Outro ponto interessante do seu questionar conceitual vem justamente da interpretação do resultado ter sempre a necessidade da dualidade do ‘objeto / tela-negativo’. O negativo não é aquilo do que devemos nos livrar, uma vez que faz o positivo funcionar. Ao invés de ser um impedimento, o negativo se torna um impulso interpretativo. Lembre-se que até certo ponto, o objeto torna-se obra de arte exclusivamente pelo deslocamento e pela intervenção da artista, algo como Meret Oppenheim fez em 1936 com seu “Object”, e não pelo conceito do que ele realmente ali representa. Ao mesmo tempo que a tela só funciona como tela onde se dá a entender que há sim algo criado ali, mas que ela é resultado e não intenção.
Esse questionamento só funciona quando tem o entendimento que a intenção/resultado pode acontecer sobre as duas óticas e que, processo e resultado são, no final, uma interpretação de fatores.
Seja através da plasticidade, deslocamento, técnica, processo ou material, o trabalho da artista está calcado na simplicidade em demonstrar que arte é algo que depende do olhar que se tem sobre ela. Essa liberdade contemporânea é o que mais chama atenção em suas obras: elas são o que são.