ARQUITETURA DO SER
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ARQUITETURA DO SER
ÁLLISSON OPITZ
FEVEREIRO | 2024
O QUE SAIU NA MÍDIA
Como nós somos construídos? A partir deste questionamento principal o trabalho da artista Állisson Opitz se desenvolve. Através de um olhar apurado para os elementos que compõem a psique e a alma humana, as camadas e os materiais em seu trabalho representam as estruturas sob quais somos edificados.
Tal qual a arquitetura, em sua raiz mais profunda, da junção grega das palavras “principal” e “construção”, sua investigação nos leva a entender como ela enxerga o resultado do impacto dos acontecimentos ao nosso redor e como eles vão nos moldando ao longo da vida.
Esses acontecimentos, agora transformados em elementos quase arquetípicos, vão se desdobrando e criando formas, em nós e em seu trabalho, abusando da relação material e da interpretação de como isso poderia, de alguma maneira, ser entendido como as camadas que compõem o éthos.
A materialidade e o fazer artístico, essenciais no trabalho da artista, carregam toda a complexidade do seu conceito. A imagem final nas paredes é o resultado dessa construção, arquitetada pela a junção desses vários elementos.
Alguns dos materiais são brutos, outros de fineza estonteante, frutos da importância da materialidade das obras que, originam-se no significado que cada uma tem para a artista, vinculadas às suas experiências de vida e a estrutura do seu próprio ser.
Os bordados representam as mulheres da sua família, memórias afetivas fundamentais da sua infância. O dourado e o papelão, em sua união, formam algo novo, materializando como o externo afeta o interno, assim como as expectativas alheias invariavelmente nos afetam. A cerâmica aterra a mente, acalmando e assentando o que, de outra forma, pode escapar-lhe do controle e das mãos.
Seu ‘fazer artístico’ é alegórico. O ato de rasgar o papelão representa a falta de controle, com formas que aparecem por acidente, um paralelo ao aquarelar acrílico das suas pinturas que, por sua vez, falam sobre autocontrole em vez da perda deste ou, pelo menos, sua vã tentativa.
Somando-se a estas duas alegorias mais brutais entra o respiro quieto e controlado do bordar ponto a ponto e, também, o silêncio modesto das mãos no barro frio da cerâmica.
Agregando mais uma camada de significado sobre ação e matéria, vem a nomenclatura. Os nomes das séries de Állisson Opitz são tão importantes quanto todo o resto que compõem suas obras.
A série “Vazio” representa o oco estrutural dentro de cada um de nós, essencial para qualquer começo uma vez que, segundo a artista, um ser só tenta entender sua própria construção ao sentir dentro de si um vazio.
Em “Filigranas de contentamento”, observa-se um novo elemento de construção: nossa própria ilusão de contentamento, uma busca cíclica dentro das vivências dos outros, onde buscamos o que é esperado de nós, espaços onde podemos nos encaixar e etiquetar. São as caixas em que nos botamos, a pedido de ninguém.
“Vivências fossilizadas”, tal qual o nome, representa a busca pelas histórias do cotidiano dos outros em que nos procuramos, e nos reconhecemos, tal qual à um espelho. Mesmo sendo memórias alheias, através delas, nos entendemos.
A artista visualiza na série “Silenciar” um altar, que acalma as buscas das últimas três séries. Esta é a camada do passado e das memórias das, supramencionadas, mulheres da sua família. Como guias, essas memórias mostram o caminho para organizar o turbilhão resultante de pensamentos e sentimentos.
Retomando as caixas em que nos botamos e etiquetamos pelos outros, vem a série “Re vestir”. Surpassando o ato de se encaixar nas expectativas alheias, aqui representa-se o ato de vestir os outros. A busca primordial por tribos, grupos, de maneira repetida. Vestindo-se, e então, revestindo-se em busca de algo genuíno daqueles que nos cercam para lhes agradar.
Atando estes elementos, do material, do fazer e da nomenclatura, vem a série “Fragmentos de uma existência”. Esta arremata toda a construção feita por cada uma destas camadas, representando que o ser construído entende como é construído.
Cada elemento que forma este ser, a ancestralidade, as relações tecidas, imperfeições moldadas e as absorvidas, aqui se encontram entendidas como camadas arquitetônicas, que formam o que a artista chama de ‘paisagens existenciais’, um confortável panorama interno de cada um.
Para quem é este conforto, para o ser que foi construído ou para os outros?